“Pelos Vales Escuros com o Bom
Pastor”
Introdução
1. Cena inicial
Imagine um
vale estreito, envolto por rochas altas. As paredes escurecem ao entardecer, e
o fundo do vale já não se vê a luz do sol – só as sombras densas.
Há uma
trilha traiçoeira, com pedras soltas. Nas laterais, arbustos e penhascos.
No silêncio
quase mortal, você pode ouvir o eco do vento, e talvez até algo mais sinistro:
O estalar de
galhos, o arrastar de algo oculto na escuridão.
Esse vale
não é para os fracos – é um lugar de perigo, onde assaltantes podem se
esconder, onde a sombra da morte parece pairar.
2. Conexão ao Salmo
É exatamente
esse cenário que o salmista Davi evoca quando diz:
“Ainda que
eu ande pelo vale da sombra da morte…” Salmo 23:4. Ele pinta não apenas um
momento de medo, mas uma travessia – uma jornada.
3. Objetivo da mensagem
Hoje, vamos
mergulhar nesse verso. Primeiro, vamos ver como a tradição judaica entende esse
“vale”; segundo imaginar essa travessia como se estivéssemos lá; e, por fim,
aplicar à nossa vida moderna:
Quais são os
“vales escuros” que atravessamos hoje, e como podemos confiar no Pastor.
Parte 1 –
Entendendo o “Vale da Sombra da Morte” na tradição judaica
Aqui, é bom
trazer alguns comentários judaicos (midrash, Rashi etc.) para dar profundidade.
1. Interpretação de Rashi
Segundo
Rashi (comentarista medieval judaico), o termo hebraico usado no salmo é צַלְמָוֶת
(tsalmaveth), que Rashi interpreta como “vale de escuridão” ou “terra de
trevas”. Ele associa especificamente a esse contexto o deserto de Zif, que
aparece em 1 Samuel 23, onde Davi, fugindo de Saul, estava em perigo de morte.
Para Rashi,
portanto, não é uma figura abstrata, mas algo bem palpável: um lugar real de
perigo, onde Davi temia pela vida.
Ele também
diz que “todas as vezes que aparece a palavra tsalmaveth, refere-se a
escuridão”.
2. Significado
da palavra tsalmaveth
A raiz
hebraica combina tsel (“sombra”) e maveth (“morte”), o que sugere “a sombra da
morte” ou “escuridão mortal”.
Em outras
passagens bíblicas, a palavra transmite a ideia de calamidade, aflição ou
trevas profundas, não necessariamente morte física imediata.
Há
comentaristas (como Amos Chacham) que observam que a vogalização hebraica
(pontos vocálicos) pode ter sido posteriormente ajustada, e originalmente pode
ter sido lido mais como “tsalmut” (“escuridão profunda”), sem a conotação tão
forte de morte literal.
3. Contexto
histórico/tradicional
De acordo
com a Chabad (tradição judaica), Davi escreveu este salmo enquanto fugia de
Saul, escondido no deserto, em meio a perigos reais de morte.
Essa leitura
nos ajuda a ver que Davi não está apenas falando poeticamente, mas evocando sua
própria experiência de vida: a confiança de que mesmo no deserto mais escuro,
Deus estava com ele.
Parte 2 –
Vagando no Vale: uma narrativa da travessia
Aqui podemos
“imaginar” o vale, para que o leitor sinta como se estivesse na cena.
“Fecho os
olhos por um instante e imagine você caminhando por esse vale traiçoeiro. A
cada passo, as pedras rangem, e a luz desaparece. Uma névoa densa cobre o chão,
e nossa respiração ecoa nas paredes rochosas. Algo se move nas sombras — talvez
um ladrão, talvez uma fera, talvez apenas o vento.
Mas então,
percebo — ele está comigo. Não posso vê-lo, mas sei que há um Pastor ao meu
lado. Sua vara se estende para me proteger: se houver um predador, ele o
afasta; se eu cair, ele me ergue. Seu cajado guia minha perna trêmula, me
mantém no caminho.
Mesmo quando
a sombra da morte parece me cercar, eu não tremo, porque não estou sozinho. Ele
caminha comigo. Cada passo me leva para fora daquele vale, não porque o perigo
tenha desaparecido, mas porque a companhia dele me dá firmeza.
E eu
entendo: esta travessia é parte da minha jornada. Não é o fim, mas um trecho.
Ele me conduz para uma mesa preparada, mesmo diante dos meus inimigos, e minha
vida será marcada pela bondade e pela misericórdia.”
Parte 3 –
Aplicação para os dias de hoje
Depois de
explicar a tradição judaica e pintar a cena, é hora de trazer para a vida real:
1. Identificando
nossos vales escuros
Quais são os
“vales” modernos que enfrentamos? Desemprego, doença, luto, crise familiar,
ansiedade, depressão, injustiças.
O “vale da
sombra da morte” pode não ser uma caverna física, mas pode ser uma temporada de
escuridão psicológica, emocional ou espiritual.
Às vezes
caminhamos por vales sem ver saída, sentindo medo real — e com razão. Mas, como
Davi, podemos afirmar: “não temerei mal algum”.
2. A
presença transformadora de Deus
O grande
consolo é a presença de Deus: “porque tu estás comigo”. Essa frase é tão
central.
A vara e o
cajado simbolizam dois aspectos de seu cuidado: proteção (vara) e
orientação/suporte (cajado). Mesmo quando sofremos, Deus usa esse “instrumento
pastoral” para nos confortar e redirecionar.
Não se trata
de uma promessa de ausência de dor, mas de uma garantia de companhia.
3. Confiança
ativa
Confiar no
Pastor implica caminhar no vale, não simplesmente esperar que o vale desapareça
magicamente.
Poderíamos
orar como Davi: “Senhor, guia-me mesmo quando o caminho é escuro. Usa tua vara
para me proteger e teu cajado para me segurar.”
Também é um
chamado para testemunhar: quando saímos do vale (ou mesmo no meio dele),
podemos dar testemunho da fidelidade de Deus.
4. Missão
para a comunidade
Como
igreja/comunidade cristã, podemos ser aos outros “vara e cajado”: oferecer
apoio prático (cajado) e defesa ou oração (vara).
Há pessoas
ao nosso redor atravessando vales — nossa resposta pode ser caminhar com elas,
confortar, orar junto, mostrar que não precisam enfrentar sozinhas.
5. Esperança
escatológica
Além disso,
podemos lembrar da esperança final: para aqueles que confiam no Senhor, esse
vale é uma etapa, não o destino final.
A presença
de Deus na vida presente aponta para uma promessa maior — a morada “na Casa do
Senhor para sempre” (Salmo 23:6).
Isso nos dá
coragem para enfrentar o presente e esperar por um futuro com Ele.
Conclusão
Davi fala de
um vale escuro, um lugar de perigo — não como poesia vazia, mas baseado em
experiência real.
A tradição
judaica (como Rashi) confirma que esse vale representa tanto escuridão literal
quanto espiritual.
Mesmo
naquele vale, o Senhor não nos abandona: sua vara nos protege, seu cajado nos
guia, e sua presença nos conforta.
Reflexão
Identifique
seus vales: quais são os momentos de escuridão na sua vida?
Entregue
esses medos ao Pastor: peça que Ele caminhe com você, que use sua vara e seu
cajado.
Seja
instrumento de apoio para outros: caminhe com irmãos que estão em seus vales,
compartilhe fé, ofereça sua “experiencia” para sustentar alguém.
Guarde a
esperança: este vale não é para sempre — há bondade, misericórdia e uma casa
eterna com Deus.
3 Oração de
encerramento
“Senhor
Deus, meu Pastor fiel,
Mesmo quando
eu andar por vales escuros e frios, não temerei, porque Tu estás comigo.
Consola-me
com tua fidelidade, guia-me com teu amor, e ajuda-me a ser para os outros
testemunha da Tua presença.
Que, no fim
desta travessia, eu possa ver tuas veredas de luz e habitar na tua casa para
sempre.
Pr.
Aguinaldo Gonçalves.
Assembleia
de Deus.
Joinville.
SC
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